Entrevistas
Escrito por Pedro Vaz
2005 foi um ano de poucas actuações para os "Jovens do Hungu", que estão em estúdio a preparar o seu quarto CD e estarão na Alemanha na altura do mundial de futebol. Manuel Tavares, Nelo, conta-nos um pouco da luta pela sobrevivência deste grupo, que tem representado Angola por todo mundo e se tornou um dos maiores expoentes da cultura angolana e africana.
Como foi o começo para os Jovens do Hungu?
Inspirei-me muito no grupo Kituxe e os seus acompanhantes achei que era preciso haver um grupo mais jovem para dar continuidade a esse trabalho. Começamos por tentar fazer o baixo do kituxe, que foi a nossa base, depois quisemos modifica-lo um pouco para sermos diferentes. Por acaso morávamos todos no mesmo bairro, mas não estávamos sempre juntos, foi engraçado porque não sabíamos da existência uns dos outros como músicos, quando tentei saber como poderia compor um grupo de música tradicional foram-me indicando aqueles amigos, que afinal eram todos moradores do bairro popular como eu, fiquei admirado, mas fui ter com eles e começamos a ensaiar em minha casa, na altura o meu pai era contra, mas era ma minha casa que ficavam os instrumentos, eu gastava do meu dinheiro para comprar instrumentos.
Porquê que o pai era contra?
Porque eu estava a estudar electro medicina e estava a trocar o curso pela música, daí ele não ter gostado, mas fiz essa luta, além disso éramos todos militares. Eu trabalhava no hospital militar, e não era fácil deixarmos o trabalho para fazer espectáculos.
Como é que vieram parar em Portugal?
Naquela altura a média de idade dos grupos de música popular angolana era de 40 anos para cima e era muito difícil acreditar num grupo jovem, mas sempre lutamos, decidimos ou desistir ou desaparecer por um tempo por isso viemos para Portugal.
Conseguiram o que queriam?
A maior porta que abrimos foi através de um espectáculo de fusão que realizamos com a orquestra metropolitana de Lisboa a partir daí tudo foi acontecendo natural e rapidamente. Em 1995 gravamos o primeiro disco Sembele foi um dos primeiros de música étnica que apareceu em Angola e teve muita saída. Mas começamos a ter uma outra visão do mundo do espectáculo depois de irmos até aos EUA, foram anos em que passamos por palcos muito conceituados, aí arranjamos um manager que vive na Alemanha o Sr. Manuel Fragoso, ele trabalha há mais de oito anos connosco,
E como tem sido a relação com o vosso agente?
Ele tem arranjado espectáculos, as vezes mais, outras vezes menos, está preparar-nos uma nova tournnee na Alemanha. Queremos actuar na cidade onde Angola vai jogar, para conviver com a comunidade angolana lá nesta altura. Temos um quartel general, é assim que chamamos, em Bremen. Participamos no festival Africa Kudissanga, é um festival em que o ministério alemão da cultura oferece um espaço para quatro a cinco dias por mês, realizarem-se espectáculos de música africana. Já lá estiveram os SSP, o Waldemar Bastos, o Bonga, mas vão muitos angolanos, vão mais senegaleses, do Mali. Acho que Manuel Fragoso, como manager devia ter mais apoio, porque e é o único angolano domina o mercado alemão, e que tem aberto portas para os músicos angolanos na Europa.
Como é que fizeram a amizade com os Batoto Yetu?
Quando se criou aqui em Portugal os Batoto Yetu, o seu fundador Júlio Leitão, foi me apresentado na RDP-África. Ele disse que nos admirava, que queria ajudar-nos mas não sabia como e disse já ensinava as bailarinas que tem nos Estados Unidos a dançar e a cantar a nossa música. E eu pensei; Mais um angolano mentiroso, mas ao fim de três meses apareceu o grupo de dança dele. Cantaram uma música nossa que se chama Isabu e o Sembele, confirmaram que há mais de dois meses ensaiavam com a nossa música nos EUA. Fiquei emocionado, isso deu-me uma alegria que não pode imaginar.
É preciso muita força para sobreviver como grupo e para manter viva a música tradicional de Angola? Têm ido buscar os vossos ritmos à raiz?
É preciso muita força, é preciso um gravador, uma câmara de filmar, uma máquina fotográfica, porque não temos nada escrito, mas há povos em Angola que ainda preservam os seus ritmos, acho até que há ritmos angolanos que já estão perdidos que foram encontrados e estão a ser usados vamos ouvi-los daqui há mais cinco ou dez anos em músicas que não são angolanas, não tenho dúvidas que isso vai acontecer. Ganhamos alguma experiência a partir da Europa. Os grupos que estão em Angola ainda não fizeram grandes mudanças, nós gravamos 3 discos, os Kituxe 2 se não me engano, o Semba Muxima 2, e os outros não conseguem gravar. É preciso apoios financeiros. Mas também estamos a tentar mudar, diversificar a nossa música e fazer música de fusão, já percorremos uma estrada que nos deu experiência, contactamos grupos tradicionais com grandes fusões, com violinos, contra baixo. Depois deste disco queremos experimentar algo diferente, já contactamos o músico Nanuto, que está disposto a trabalhar connosco, e haverá outros, porque a nossa música tradicional precisa de evoluir, precisa de mudança, no novo disco vamos por duas violas de caixa, temos contacto com dois grandes músicos que são o Betinho Feijó e o José Muele Puto, vamos fazer assim uma espécie de Ngola Ritmo, mas precisamos de apoios.
Quem são os músicos angolanos em quem vocês se inspiram além do Kituxe?
Conservo discos angolanos antigos e há vários que admiro, um deles é Teta Lando, foi um grande crítico da música angolana e sempre me disse que Portugal não era o mercado certo para a música africana, e agora conhecendo o que conheço de grupos africanos residentes noutras partes da Europa e mesmo pelas passagens por grandes festivais europeus, acho que lhe dou razão, há muito pouco músicos residentes em Portugal a passar por esses festivais, ali encontramos músicos africanos com grande nome em África e no mundo e encontramos vários grupos do Senegal, do Mali, não apenas um mas vários, e de Angola também devia haver mais grupos. Nós aparecemos e graças a Deus tudo correu bem, poderíamos ter ido muito mais longe.
Em Angola existem outros grupos de música tradicional?
Sim, depois do nosso disco Sembele apareceram mais grupos, quase mais de vinte grupos. A última vez que estive em Angola e não vamos lá a três anos constatei a existência de muitos grupos de música tradicional mais jovens. Outro grande problema para os Jovens do Hungu é que nos festivais europeus, os grupos são todos pagos, têm um cachet, mas precisamos de pagar passagens e outras coisas, e nem tudo pode sair do bolso do nosso agente, mas é importante a nossa presença nos festivais, porque em quantos mais estivermos presentes, mais o nosso cachet é nivelado mais acima, porque os agentes falam entre eles, para saber se o grupo de facto arrasta a multidão. Porque à medida que nos vamos tornando conhecidos vamos tendo um cachet próprio a nível da Europa. Não estamos entre os grandes grupos africanos. Alfa Blondi por exemplo é dos mais bem pagos.
Quem patrocinou os vossos primeiros discos?
A editora portuguesa Strauss, que só trabalhava como música tradicional e o único grupo africano que patrocinou foi o nosso. Estivemos uma vez numa rádio de uma cidade recôndita da Alemanha e encontramos o nosso disco, disseram-nos que de música angolana conheciam pouco mais, esse também é um problema para a música angolana a divulgação. Espero que este mundial venha a ajudar os músicos angolanos a tornarem-se mais conhecidos, porque há muitos sítios para se tocar na Alemanha é um grande mercado para a música africana, será uma grande oportunidade.
Com a editora Strauss correu tudo bem?
Nunca fale mal de quem lhe abre a porta. Se não fossem eles não teríamos três discos. Não digo que as coisas correram as mil maravilhas, mas apenas tenho a dizer obrigado por me terem aberto as portas.
Em que fase está a preparação do vosso último disco?
Numa primeira fase porque todas as despesas têm corrido por nossa conta. Fizemos um acordo com o dono do estúdio, estamos a gravar, ele vai apontando as horas em que ocupamos o estúdio, e vai fazer um orçamento, se até ao fim do ano conseguirmos o patrocínio tudo bem, pagamos as contas, senão, paciência... Ficamos com a maquete e atrasamos o disco. Temos um pedido em Angola há dois anos, endereçado ao Ministério da Cultura, por enquanto, tudo corre por nossa conta. ´
Vivem só do rendimento do grupo?
Em principio sim alguns, mas é difícil há alturas em que nos dividimos, somos convidados individualmente para outros trabalhos mesmo como músicos.
Aqui como é que arranjam os instrumentos com que tocam, a pele para os batuques?
É muito difícil. Uma vez trazíamos pele, foi apreendida no aeroporto, tanto pedimos mas não adiantou. Temos que pedir a algum conhecido que vá aqui aos países mais próximos de África como a Guiné ou Cabo Verde, em relação aos outros instrumentos, para o reco-reco o bordão tem que vir de Angola, cabaças aparecem aqui. As missangas são outro problema, as vezes perdem-se mas muitas vezes as pessoas pedem para recordação, na Holanda, um dos artistas que nos acompanhou quis um dos nossos panos como recordação. Fazem-nos falta, mas quando as pessoas dizem: «Preciso de marcar esse grupo, preciso de não esquecer» derretem-me o coração.
Escrevem as vossas músicas? E nos espectáculos quais são as músicas que usam?
Cantamos a nossa música, porque todos escrevemos letras, depois escolhemos as melhores, uns ganham mais, vamos usar uma letra do Teta Lando em kicongo, é uma estória muito bonita. Nos espectáculos cantamos nossa música, uma vez ou outra, podem cair músicas populares angolanas como o Cidrália, ou do Ngola Ritmo. A partir deste ano queremos cantar o Teta Lando, mas é kicongo e ainda não está bem ensaiada. A que está pronta, e podemos depois de gravar começar a treinar em espectáculos, é a letra do Presidente José Eduardo dos Santos, é kimbundu, é mais fácil para nós.
Apresentam-se com bailarinas?
Sim quando viemos, trazíamos duas bailarinas que depois acabaram por seguir as suas vidas. Tivemos que arranjar outras, já aparecem muitas bailarinas angolanas por aqui, aliás, hoje em dia existem muitas bailarinas angolanas.
Percurso:
Os jovens do Hungu existem desde 1989, gravaram os seus três primeiro discos nas línguas nacionais kimbundu e humbundu. No quarto CD que estão a preparar incluirão músicas em kicongo e uma letra em português de uma estudante de música angolanaa residente no Porto. Em 1990 pela primeira vez participaram numa Quinzena Cultural de Angola no Brasil (Baía, São Paulo e Pernambuco). O desejo de gravar um disco fê-los imigrar para Portugal em 1994, onde foram recebidos pelo músico Raul Ouro Negro. No festival África Minha em Lisboa, gala do Diário de Notícias e espectáculo de Fusão com a orquestra Metropolitana de Lisboa, os Jovens do Hungu conquistaram o público presente no Casino Estoril e no Estádio do Belenenses, depois deste show foram convidados a gravar o seu primeiro CD. Em 1995 com a editora Strauss, estiveram em digressão pelos Estados unidos da América actuando nas salas Apollo Center, em Nova Yorque e no Performing Art Center de New Jersey acompanhados pelos Batoto Yetu. Representaram Angola na emissão inaugural da RDP-África na cidade da Praia em Cabo Verde. Estiveram no Festival Del Caribe, cidade de Cancun-México, apresentaram-se também numa gala da embaixada de Angola e num Show de teatro mexicano. Exibiram-se no encontro dos países da SADC no Japão, depois no Festival Afro- Springsteen na Suiça, em Frankfurt no Festival Africa-Alive e no Festival de Bremen. Participaram no Encontro de Culturas na Alemanha Bona, no Festival Frolunda Kulturas na Suécia, numa gala da embaixada de Angola na Suécia, em 2000 participaram numa gala da Embaixada de Angola em Viena de Áustria. Fizeram em 2001 uma digressão por Alemanha e Holanda, participaram na celebração do dia da independência de Angola em Paris, mo festival World Music na Áustria, na festa do dia de África em Lisboa, no festival de música Mediterrâneo Itália em 2003. Não se estão aqui citadas todas as actuações do grupo, mas sim algumas das mais importantes.
Composição dos Jovens do Hungu: Nelo (fundador) Neloy, Leão Koami e Victor Instrumentos tradicionais: Hungu, Puíta, Kissange, reco-reco, ou dicanza, bambu e batuques de nome tradicional Ngoma (instrumento monocórdico conhecido como birimbau no Brasil onde acompanha a copeira).
Discos gravados: Sembelle (Valeu a pena), Twana Ndengue (Nossas Crianças), Uenge Kitadi (Negócio e Dinheiro). Próximo disco/projecto: «Culturas Perdidas». Para concretização de Projecto Culturas Perdidas os músicos aguardam a resposta dos pedidos de patrocínio que endereçaram, em especial ao Ministério da Cultura angolano. Ao mesmo tempo que busca modernidade, este projecto vai ao encontro de sons antigos dos Ngola Ritmos, do Ngongo, Teta Lando e outros. O poema Damba Maria do presidente José Eduardo dos Santos foi musicado para fazer parte do disco.